Carta arrasa diretórios. UE demonstra "continuada apatia face à situação dos palestinianos"

por Carla Quirino - RTP
Mohammed Salem - Reuters

Uma carta assinada por 211 funcionários de instituições comunitárias aponta para uma "apatia contínua" da União Europeia perante a situação palestiniana. No documento, partilhado em exclusivo com o jornal britânico The Guardian, os subscritores apelam a um cessar-fogo e alertam para as contradições entre os valores defendidos no bloco europeu e o que consideram ser o "silêncio" dos líderes.

Os organizadores esperavam inicialmente alcançar pelo menos 100 assinaturas, mas esse número duplicou, à medida que a carta circulou dentro das agências da União Europeia.

O texto, intitulado "Não em nosso nome", é entregue esta sexta-feira e é dirigido aos três principais responsáveis da UE: Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, e Charles Michel, que lidera o Conselho Europeu.

"Somos um grupo de funcionários públicos e outros funcionários da UE que estão preocupados com o quão pouco (ou nada) a UE está a fazer para resolver a terrível crise humanitária em Gaza", sublinha o texto.

A carta começa por condenar de forma veemente os ataques desencadeados a 7 de outubro pelo movimento radical palestiniano Hamas. Porém, de imediato, expressa uma “preocupação crescente” com a resposta da União à crise humanitária em Gaza, argumentando que é “contrária aos seus valores fundamentais e ao objetivo de promover a paz”.

Os signatários advertem para a “continuada apatia face à situação dos palestinianos”. Esta atitude pode facilitar "indirectamente – através da inação – não só a propagação de narrativas polarizadoras, como também contribuir para a normalização da ascensão de uma ordem mundial em que é o simples uso da força, em oposição a um sistema baseado em regras, que determina a segurança do Estado, a integridade territorial e a independência política".

“Foi precisamente para evitar uma ordem mundial tão sombria que os nossos avós, testemunhas dos horrores da II Guerra Mundial, criaram a Europa”, exalta o teor da carta.

“Ficar de braços cruzados face a tal erosão do Estado de Direito Internacional significaria fracassar o projeto europeu tal como é previsto por eles. Isso não pode acontecer em nosso nome”, insiste.

“Não podemos acreditar que os nossos líderes, que são tão eloquentes sobre os Direitos Humanos e que descrevem a Europa como o farol dos Direitos Humanos, de repente ficaram tão silenciosos sobre a crise que se desenrola em Gaza”, apontam os signatários.“É como se, de repente, nos pedissem para fechar os olhos aos nossos valores e aos valores pelos quais supostamente trabalhávamos. E para nós, isso não é aceitável”, afirmam.

“A incapacidade da UE para responder a estes apelos cada vez mais desesperados está em clara contradição com os valores que a UE defende e que nós defendemos”, defendem os 211 funcionários das agências comunitárias que assinaram a carta.

O documento publicado pelo Guardian (sem as assinaturas tornadas públicas) apresenta uma lista de pedidos: insta a UE a apelar oficialmente a um cessar-fogo imediato e permanente; é também feito um apelo oficial à libertação de todos os reféns; requer, por último, a garantia de que os Estados-membros “suspendam as exportações diretas e indiretas de armas para Israel”.

Zeno Benetti, um dos autores do texto, sublinhou que a iniciativa não pretende ser um movimento pró-Palestina, nem visa tomar posição partidária: “Em vez disso, assinámos porque pensamos que o que está a acontecer está a pôr em causa princípios do direito internacional que consideramos importantes e que os tomamos como garantidos”.
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